Na madrugada do dia 27 de janeiro de 2013, David Santiago de Souza, 22 anos, morreu no incêndio da boate Kiss, em Santa Maria (RS). Depois do sepultar o corpo do filho, o enfermeiro Eduardo Pena de Souza, 54 anos, foi até o apartamento em que o jovem morava na cidade gaúcha. Encontrou frutas em cima da geladeira, o controle embaixo da cama - uma mania de David - e as roupas na lavandeira. Um mês depois da tragédia, a família, residente em Campo Grande, ainda não conseguiu mexer no imóvel.
Ao falar com o irmão, ouviu a recomendação para que fosse forte. “Ele falou que havia acontecido uma tragédia numa boate em Santa Maria em que provavelmente David estava lá”. Souza diz que ele e a mulher, Jânea Santiago de Souza, 54 anos, entraram em desespero. “Quando liguei a televisão já eram 180 mortes confirmadas”.“Deus nos pregou uma peça enorme. Ele foi antes de nós”, disse Souza ao G1. “Não tive coragem de desfazer o apartamento, foi a parte mais pesada”, lembra. Um dia antes, na manhã de domingo, acordou e viu várias chamadas não atendidas do irmão, tio do jovem, que também mora em Santa Maria.Quando conseguiram chegar a Santa Maria, na manhã de segunda-feira, o corpo de David havia sido reconhecido pelos tios e estava sendo velado. “Ele não estava muito ferido, tinha apenas uma queimadura na orelha”, lembra a mãe.
O casal ouviu de um amigo do rapaz o que aconteceu na noite de 27 de janeiro. Segundo o relato que receberam, o jovem foi até a Kiss com o colega, mas na hora de ir embora, quis ficar no local acompanhado por uma amiga. David fez aniversário na sexta-feira e comemorava na boate.
Ação
Souza conta que faz parte do grupo que entrará com ação coletiva para tentar uma indenização por danos materiais e morais por conta da tragédia. Ele não detalha se já procurou algum advogado e fala que um mês após o ocorrido, ainda só há espaço para lembranças. “Ele viveu bem 22 anos. Fez muito mais coisas que eu com 54”, diz
Durante o tempo em que ficaram em Santa Maria, o casal foi confortado por amigos e professores do jovem. Eles receberam de presente uma camisa do filho, assinada pelos colegas e com um desenho de David em forma de anjo. “Isso nos confortou. Temos que seguir adiante, embora tenha pensado em largar tudo”, disse. “Os colegas do David choravam mais que eu”, completa.
O casal mora em Campo Grande há 13 anos e conta que sempre incentivou o filho a estudar em Santa Maria por acreditar que era o local mais adequado para a faculdade. Boa parte da família havia cursado o ensino superior nesse município. David, conforme Jânea, tinha planos para voltar à capital sul-mato-grossense.
Eduardo comenta que, para ele, falar do filho não representa remoer a dor, mas uma forma de manter viva a memória do filho. “As qualidades dele não somos nós que dizemos, foram os colegas e professores. Nunca tive problema com o David, mas não esperava o que estava reservado. Ter que enterrar um filho e todo um projeto é algo anormal, mas foi a vida dele”.
A última vez que esteve com os pais viram David foi entre os meses de maio e junho de 2012. Souza fez questão de ler uma carta escrita à mão pelo filho, encontrada no apartamento. “Vejo-me com saúde e paz e sem motivos para ser triste”.
Outra vítima
A jovem sul-mato-grossense Ana Paula Rodrigues, de 21 anos, também está entre as vítimas do incêndio na boate Kiss. No dia da tragédia, ela estava no local com alguns amigos, chegou a ser socorrida e encaminhada para o hospital, mas não resistiu e morreu por volta das 23h do dia 27 de janeiro.
“Agora o que resta é só a saudade”, afirmou ao G1 o pai da jovem, José Rodrigues, que mora em Mundo Novo, a 462 km de Campo Grande. O corpo de Ana Paula foi transferido do Rio Grande do Sul para Mato Grosso do Sul no dia 28 de janeiro e sepultado no dia 29. “Eu acompanhei o corpo da minha filha até a nossa cidade. Sofri muito, mas tive que ser forte para ajudar a minha família”, relatou.
José conta que a filha foi passar férias no Rio Grande do Sul com um casal de amigos. “Quando ela disse que queria viajar, eu apoiei. Eu não imaginava que ela não ia mais voltar”, contou.
Ainda segundo o pai, dois dias antes da tragédia, no dia 25, Ana Paula mandou uma mensagem para o irmão e disse que “estava se divertindo muito”. Esse foi o último contato da menina com a família. A família da jovem informou que ainda não entrou com nenhuma ação judicial contra a boate Kiss.
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