Quando Mônica nasceu há 50 anos – o aniversário é neste domingo (3) –, ela não era coisa de criança. Em sua estreia, como coadjuvante numa tirinha do Cebolinha, ela protagoniza uma piada de duplo sentido (veja a tira abaixo). “No início da minha carreira de desenhista, eu não desenhava para criança, mas para o leitor do jornal, que a gente entendia como um adulto”, explica Maurício de Sousa, criador do personagem.
Ele acredita que futuro sucesso com o público infantil se deve ao fato de que “criança gosta de ver criança”. Sobre a longevidade da criação, joga na conta da “curiosidade” permanente dos leitores.
“A identificação é o forte das nossas histórias. Todo mundo conhece um Cascão, já foi a Magali, tem um momento Mônica, tem umas mancadas iguais ao Cebolinha, sonha com o local aprazível onde mora o Chico”, exemplifica Mauricio. Leia, a seguir, os principais trechos da conversa que ele teve com o G1, em que ele fala sobre os novos rumos da Turma da Mônica – inclusive sua versão adulta e o “Chico Bento jovem”, relembra suas influências e se assume um pai “coruja”.
– A Mônica tem 50 anos, mas continua fazendo sucesso com as crianças. Por quê?
Mauricio de Sousa – Porque a criança continua curiosa, sedenta de coisas interessantes, atraentes, figuras fofinhas e algum tipo de mensagem que elas entendam bem. Não que elas não entendam numa essência mais profunda. Enquanto a gente conseguir atender essa curiosidade com temas e linguagem que são do dia a dia, nós estaremos com a criança.
– Quais são as razões da longevidade da Mônica?
Mauricio de Sousa – Eu penso que é a humanidade do personagem. Todos foram baseados em gente que eu conheci, que vejo com transparência. Eu pego detalhes, nuances das pessoas. Elas fazem com que a malha, a rede que monta os personagens seja o mais parecida com pessoas que você conhece. Ou com você mesmo. A identificação é o forte das nossas histórias. Todo mundo conhece um Cascão, já foi a Magali, tem um momento Mônica, tem umas mancadas iguais ao Cebolinha, sonha com o local aprazível onde mora o Chico.
– Sua filha disse em entrevista coletiva: “Eu queria ser bonitinha, mas era baixinha, gordinha, dentuça. Depois assumi a personagem e amo ter sido a inspiradora”. Você chegou a hesitar ao atribuir alguma das características físicas à personagem?
Mauricio de Sousa – Eu não! Para o pai, a filha é linda. Eu sou um “coruja” mesmo. Ela até podia ter alguma coisa assim, de que ela não gostaria, talvez. Mas, para mim, cada filho tem uma junção de características que faz da escultura final uma beleza. Cada filho meu é uma beleza pura, sob todo aspecto.
– Seria possível criar a Mônica no mundo de hoje? Ela tem uma marca de ingenuidade, e de convívio, que depende de circunstâncias talvez não habituais.
Mauricio de Sousa – Você me deu uma boa ideia. Qualquer dia vou tentar criar outra Monica, para ver se hoje é possível. Criar uma personalidade meio pura. Vou ver se com outro desenho, talvez uma revista qualquer.
– Como seria a Mônica de hoje?
Mauricio de Sousa – De bate-pronto, tem que ser líder. Mas uma líder, vamos dizer, complacente. O tipo de líder legal, que todo mundo quer.
Quando você criou a Mônica, imaginava que ela fosse durar tanto tempo?
Mauricio de Sousa – Nunca pensei nisso. Nunca pensei em fazer sucesso, em prazos. Prefiro não pensar. O artista que pensa em prazo já se tolhe. Ele dá uma segurada no caminho da criação. O artista tem que ser fluido, tem que ser uma esponja que sinta, saiba, absorva tudo que está acontecendo pelo caminho – mas que ele continue sendo essa esponja. Quando muito, hoje, posso dizer que vou daqui uns três ou quatro anos criar a turma adulta. Porque tenho elementos para começar a montar desde agora um projeto desses.
– Na primeira tirinha em que apareceu a Mônica, já tinha ali algum duplo sentido, não é? De "desequilibrar" um homem. Tem a interpretação da criança, literal, mas também a do adulto. A ideia era essa?
Mauricio de Sousa – Era. Mesmo porque, naquele tempo, eu desenhava no jornal. E, no início da minha carreira de desenhista, eu não desenhava para criança, mas para o leitor do jornal, que a gente entendia como um adulto. E esse adulto passava para a criança e era uma atração – criança gosta de ver criança. Depois, pelas aventuras... Mas, realmente, as primeiras histórias tinham um caráter mais entendido pelo adulto do que pela criança. O Horácio continua ate hoje assim. Mas a Turma da Mônica não, depois deu uma “baixada de bola”, para a linguagem bem coloquial. E, com isso, nós pegamos a criança e o adulto.
– Qual o passo a passo para a criação de uma história? Qual o seu envolvimento direto?
Mauricio de Sousa – Hoje é uma maquininha. Bem azeitada, com bons profissionais, que já beberam tudo que precisavam ou podiam no nosso histórico e depois saíram por aí já devidamente fertilizados. Eles mandam as histórias para mim hoje, e eu vejo todas. Hoje por exemplo foi uma noite de ver roteiros, quando vi já estava amanhecendo. Quando estou vendo roteiro, não vejo o tempo passar. E tudo é novidade ou desafio, ou até uma busca crítica. Eu tenho que ver duas vezes a história: como leitor e depois nas entranhas, como está passada a mensagem. Fazer uma correção, uma orientação. E isso tem acontecido mais ou menos com facilidade, depois desse processo. O estúdio, a parte de produção, é dirigido pela minha mulher. Ela vê a arte final, cores. [Depois] eu vejo a revista pronta. De vez em quando, puxo a orelha dela, ela detesta! Ela é nissei, japonesa. Ela é mais exigente do que eu.
O roteiro nosso já vem quase um storyboard, para me facilitar a vida. Se faz storyboard, o desenhista vai ter muito mais facilidade. É mais fácil para eu ver, corrigir. Por exemplo, desenvolvi duas histórias que estavam boas, mas o “caipirês” do Chico Bento não estava bom. E eu sou o melhor caipira da minha empresa, sei o palavreado adequado.
– Tem alguma espécie de veto? Você aprova as histórias?
Mauricio de Sousa – Não pode matar ninguém e não pode ter sacanagem
– O que seria?
Mauricio de Sousa – Algum tipo de malícia que a criançada nem vai entender ou alguém vai explicar de uma maneira errada. Então, a gente dá uma suavizada em qualquer papo que tenha algum tipo de malícia, principalmente de ordem sexual. E, logicamente, comportamento. Ou orientação ética, moral, comportamental.
– As histórias têm em seu DNA as citações à cultura pop. Como fazer para sempre manter isso atual? É uma preocupação sua e da equipe?
- Quantos anos ela tem?Mauricio de Sousa – Eu tenho de acompanhar todas as transformações. Ajuda muito ter uma equipe plural. Mas a cereja do bolo é, por sorte, eu ter treinado, até sem querer, a minha filha Marina, para também dominar a avaliação de histórias, escrever histórias e desenhar muito bem. Ela está trabalhando comigo, ajudando a avaliar as histórias, já há algum tempo. Geralmente as histórias dela são bem em cima do que está acontecendo. Ao mesmo tempo, ela está com a cabecinha num primeiro lance de cultura de quadrinhos. E eu estou acumulando três fases ou três gerações de quadrinhos. Então, começou a haver um fenômeno interessante. No começo estranhei, mas agora estou achando ótimo. Nos primeiros tempos, ela fazia uma avaliação igual à minha. Em seguida, começou a não bater. Eu falei: “O que está acontecendo? Ela não está tendo o cuidado devido?”. Fiquei pensando e cheguei à conclusão de que a Marina está certa. Uma conclusão não desagradável, mas meio sofrida para mim. Porque tenho a cultura da história em quadrinhos desde 1940, e ela tem de 1990 para cá. Como a do leitor agora. Consequentemente, a minha cultura está exagerada para avaliar histórias do público de hoje, está muito sofisticada, distante do “estilão pop” para o leitor de hoje. Então, a Marina virou a salvação da lavoura para me reconduzir ao pop atual.
Mauricio de Sousa - Tem 27. A cabeça dela está fresquinha para esse tipo de comunicação. Nasceu com esse tipo de mensagem. E para o que é anterior ela precisa buscar no museu da minha memória.
– Qual a importância de se criar personagens como, por exemplo, aqueles com necessidades especiais?
Mauricio de Sousa – Nem que não houvesse necessidade, ou movimentos para inclusão. Isto foi uma falha minha desde o começo: eu me esqueci de colocar nas minhas histórias, quando na minha infância cansei de conviver com amiguinhos com necessidades especiais. Brincava normalmente. E, logicamente, a gente zoava. E também eles nos zoavam.
Depois, vi movimentos de inclusão e falei: “Estou atrasado nisso”. Eu fui buscar, mas estudei bastante. Porque, querendo ou não, a gente traz dos velhos tempos alguns tipos de preconceito – você nem sabe que é preconceituoso. Aí, fui a institutos. Fui falar com os atletas paraolímpicos. Falei com o Herbert Vianna. Com o pessoal que superou esse tipo de problema, e fomos aprendendo.
– A “Turma da Mônica Jovem” foi uma necessidade autoimposta ou uma demanda que surgiu?
Mauricio de Sousa – Foi estratégico, lógico. Resolvi criar a Turma, aumentando a idade, as personagens, com o visual de um mangá. Criei um “mangá caboclo” aí. No começo, eu não tinha pensado em fazer mangá. O número zero da “Jovem” é um desenho normal, não tinha nada de mangá. Mas caí na observação de que a turma estava se bandeando muito para o mangá mesmo. Então, mudei o esquema. E foi fácil para a nossa equipe, todos também estavam curtindo, eram desenhistas jovens. É nossa revista mais vendida – aliás, é a mais vendida no ocidente. A gente só perde pra umas revistas japonesas meio malucas.
– E o Chico Bento jovem, vai ser feito?
– Quando vai sair?Mauricio de Sousa – Vem aí, já estamos desenhado, os primeiros dois números estão criados. No primeiro, eu estava pensando em fazer uma história muito engajada em ecologia, mas dei uma segurada. O Chico Bento jovem vai ser um pouquinho mais velho do que a Turma da Mônica jovem, ele já tem 18 anos, já é universitário. Vai se formar em agronomia, lógico. A Rosinha vai ser veterinária. Vai ser uma história gostosa, com bastante humor.
Mauricio de Sousa – Em abril.
– Hoje, há uma preocupação maior com os produtos culturais para que eles sejam politicamente corretos. Isso já chateou de algum modo? Já teve muita patrulha recente ou mesmo em décadas anteriores pelo fato de o Cascão não tomar banho, Cebolinha falar errado...?
Mauricio de Sousa – No meu entender, a patrulha passa lá pela rua. No meu estúdio, ela não entra. O patrulhamento, às vezes burro, esquece como é que é o ser humano, como é que é a criança, quais as necessidades psicológicas da pessoa. E eu faço do meu jeito. Logicamente, já nos últimos anos muitos dos nossos hábitos foram transformados pela conscientização. Não porque há uma lei tomando conta da gente.
Cauê MuraroDo G1, em São Paulo
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